Atenção! Esse post contém spoilers.
Demorei, mas na sexta-feira última consegui assistir à última película do Tarantino, Django Livre. Vamos por partes.
Confesso que quando vi que era com o Jamie Foxx, fiquei meio desanimada. Apesar de ele ter ganho o Oscar com Ray (que não vi até hoje por pura preguiça), só consigo me lembrar dele naquele filme com o Al Pacino, em que ele faz um quarterback chatinho e canta um rap ainda mais chatinho durante o filme.
Muitos dos meus amigos disseram que não gostaram do filme, que acharam longo e cansativo.
Eu discordei de todo mundo. Saí do cinema de alma lavada e vou explicar o porquê.
Antes de finalmente assistir ao filme, li muita gente dizendo que tinha achado racista, em especial por causa da repetição da palavra “n”, como diria Louie C.K. – atualmente um dos meus comediantes favoritos. Ora bolas, se a pretensão é que a atmosfera seja minimamente de época, é lógico que figurino, cenário, entre outras coisas devem acompanhar o tom. E, por que não o texto? Eu não vi nada de mais, mas veja bem, eu sou branca – apesar de essa cor de pele pálido-translúcida ir na contramão da cor da pele de quase todos os meus familiares, incluindo minha mãe.
Anyway, por que eu gostei tanto do filme?
Acho que pelos mesmos motivos que todas as pessoas que eu conheço acharam longo e desnecessário; por ser apenas mais uma história de vingança.
A Lola, daquele blog maravilhoso, disse que o filme pecou na montagem e que não deu o devido destaque às protagonistas femininas.
Eu tive uma leitura tão diferente que nem sei por onde começar. Django sou eu. Achei emblemático que Tarantino tenha querido voltar justamente a um período tão conturbado para contar (mais) uma história (genial) sobre vingança. Django somos nós, as mulheres, os negros e todos aqueles que continuam sofrendo as atrocidades de uma sociedade desigual. O protagonista é apenas uma metáfora, evidentemente não escolhida ao acaso, mas alguém que tem a oportunidade de se vingar de tudo aquilo que sofreu. Há também uma outra colocação que se faz importante e que, quando observamos, justifica sim uma série de escolhas (não só estéticas, mas de enredo e roteiro) feitas nesse filme. Django Unchained seria a terceira e última parte de uma trilogia sobre vingança. Aquilo que começou com Kill Bill Vol.I e Vol. II e passou por Bastardos Inglórios, termina agora. O foco foi, sucessivamente, das mulheres, para os judeus e, por fim, para os negros. Um por um, Tarantino deu voz àqueles que durante séculos foram oprimidos e massacrados pelo simples fato de não se encaixarem em um padrão.Tem como não amar esse sujeito?
Na cena em que Django encontra os ex-feitores de escravos da fazenda onde tinha estado me foi particularmente cara. Acho que eu quase chorei. Senti como se o chicote que troca de mão naquela cena fossem os anos e anos de hipocrisia e opressão a que eu própria havia sobrevivido e, emocionada de catarse, pela primeira vez em muito tempo eu quis que um mocinho matasse o bandido.
Nesse ponto eu já estava achando que escolher o Jamie Foxx tinha sido sim um acerto e que ele nem estava fazendo feio perto do (monstro) Christoph Waltz – esse sempre ofuscando qualquer um que compartilhe cinco segundos de cena com ele.
Conforme o filme vai passando, o fato de Tarantino ter resgatado o famigerado faroeste acaba fazendo todo o sentido para as questões que eu consegui enxergar ali, apesar de o Spike Lee ter achado que não, enfim…
Achei também que o fato de o personagem do Christoph Waltz, que serve como guia – quase um Virgílio, se observarmos por um outro ângulo, não me parece reduzir ou sequer diminuir a raça ou mesmo a força da vingança do protagonista. Como aqueles que sofreram, como muitos outros, ou mesmo como eu, tudo que aparece no caminho de Django é força motriz para atropelar tudo que pareça se opor à inevitável vingança.
Num ponto eu concordo com a Lola: o filme carece de umas figuras femininas mais fortes. ainda que o filme dedicado à vingança feminina já tenha passado. A mocinha do filme, esposa do Django é uma versão bem água-com-açúcar da já adocicada Beatriz que esperava Dante às portas do paraíso, e ironicamente espera seu salvador à moda antiga, às portas do inferno, numa propriedade de escravos que desafia nossa já atrofiada imaginação em reconstruir os horrores a que seres humanos submeteram outros seres humanos, por causa de uma coisa tão imbecil quanto a cor da pele.
Agora, cá entre nós, só eu que acho Leonardo DiCaprio um tremendo canastrão? Assim, achei que ele foi, no máximo, aceitável e no geral, pra mim, sua atuação passa por regular. Não achei que ele tenha feito nada de mais em Django e acho que não ter sido indicado foi um reflexo disso.
Mas a parte que talvez tenha mexido mais comigo foi a aparição (fantástica) de Samuel L. Jackson, representando e representando todos os estereótipos que vemos todos os dias: das mulheres que engolem o machismo a seco e começam a reproduzir o discurso, aos negros que julgam outros negros culpados pela imagem que tem e mesmo os pobres, que parecem nunca hesitar em condenar outros pobres e reproduzir o discurso da mídia golpista e nojenta do país em que vivemos.
Acho que foi por isso que sai do cinema me sentindo tão bem. Porque além de ser um filme à la Tarantino, cheio de cenas maravilhosamente bem filmadas,sangue, violência e outras cositas más Django foi quase como um afago na alma, alguém dizendo assim – bem clichê, mas bem real: quem espera sempre alcança.
Ps: E já que se falou tanto em racismo, acho que não há ninguém melhor do que o Chris Rock pra explicar o que é.